José Augusto.... e aqui é a Feira da Ladra.
Filipe André. Deve ser.
José Augusto. É, é a Feira da Ladra! E logo ali em baixo é o hospital da Marinha.
Pedro. Quando ainda se podia fazer mercados na rua, não é?
Fátima. Vive cá há muito tempo, em Lisboa?
José Augusto. Eu estou aqui há 40 anos.
Fátima. Em Lisboa, ou aqui?
José Augusto. Em Lisboa. Aqui neste bairro moro há 40 anos. Na Quinta do Narigão morei 14.
Fátima. Veio da Quinta do Narigão? Veio de lá há 40 anos diretamente para aqui?
José Augusto. Sim, sim.
Inês. Maria da Assunção, quando é que isto terá sido filmado?
Maria da Assunção. Em 75 ou 76.
moradora. Acho que ainda não faz 40 anos que a gente está cá!
José Augusto. De 80 para 2020, faça as contas.
Fátima. Foi em 1980 que veio para cá?
José Augusto. Foi.
Fátima. No fundo foi quando acabaram com a Quinta do Narigão, não foi? Acho que foi destruída em meados de 80.
José Augusto. Sim, foi. Eles queriam mudar as pessoas para cá.
moradora. Olha as calcinhas à boca de sino. Neste tempo era moda.
José Augusto. A lota.
moradora. A lota do Cais do Sodré. Antigamente ia-se comprar o peixe diretamente ali.
Fátima. Sim, mas em 1980 também acabaram com a lota e passou-se a vender peixe na Docapesca. Estas imagens têm 44 anos.
José Augusto. Olha, São Sebastião, onde eu nasci. Nasci nesta freguesia.
moradora. Isto é onde, José Augusto?
José Augusto. São Sebastião da Pedreira.
Maria da Assunção. Mas isto é bairro da lata.
José Augusto. Sim, é o bairro da lata, era antigamente, agora já não é.
moradora. São Sebastião da Pedreira era assim?
Fátima. Não, não é. Aquilo não é São Sebastião da Pedreira.
Maria da Assunção. Elas pensam que isto é a Quinta do Narigão.
José Augusto. Esta é a Quinta do Narigão?
Maria da Assunção. Pensa-se.
Inês. Nós achamos mesmo que é a Quinta do Narigão. Aqui! Não é?
moradora. Não me parece.
José Augusto. Não é. A Quinta do Narigão tinha prédios. Tinha barracas mas tinha prédios também, assim uma correnteza por aí acima.
Fátima. Sim, mas há uma imagem que ainda há pouco passou...
moradora. Dizia “São Sebastião”.
Fátima. Sim, mas isso estava escrito numa destas construções. Aqui é a Gago Coutinho.
José Augusto. Aquela era Gago Coutinho que ia por aí fora.
moradora. Usávamos minissaia na altura.
José Augusto. Ah! É a Quinta do Narigão que eu conheço aquela miúda!
Inês. Não me diga.
moradora. Para, para!
José Augusto. Volte atrás.
moradora. Qual é a miúda que conhece? Qual é?
José Augusto. Deixe passar, deixe passar... era só aquela miúda...
Maria da Assunção. Isto é tudo parecido.
moradora. Veja bem agora. Veja bem agora.
José Augusto. É aquela! Chamava-se Lúcia.
moradora. Esta que está a segurar na criança?
José Augusto. Sim, sim, a segurar a criança.
Maria da Assunção. E o senhor conhece-a porquê?
José Augusto. Porque morou lá ao pé de mim. É da minha mocidade.
Inês. Vocês vieram de onde para ali?
José Augusto. Eu morei ali ao pé do Areeiro, ao pé da Fonte Longa. Os meus pais trabalhavam lá no ferro-velho. Depois do Areeiro é que fui para a Quinta do Narigão.
Maria da Assunção. Mas nasceu cá em Lisboa?
José Augusto. Sim, nasci cá em Lisboa.
Maria da Assunção. E ela também?
José Augusto. Pelos vistos nasceu.
Fátima. Lembra-se dela nesta altura? Era da sua idade?
José Augusto. Não, eu era mais velho. Eu tenho 55 e ela deve ter quarenta e poucos anos.
moradora. Pode ser que conheça mais alguém. Veja lá.
Maria da Assunção. Não tem fotografias desta altura?
José Augusto. Não, não guardei fotografias nenhumas.
moradora. Se já está aqui há 40 anos...
Maria da Assunção. Então acha que isto é mesmo a Quinta do Narigão...?
José Augusto. Pelos vistos deve ser.
Inês. Veja lá se não reconhece algum sítio. O sítio onde morava.
José Augusto. Eu morei ali no largo.
Fátima. Com que idade é que foi para lá morar?
José Augusto. Eu fui para lá com dois anos. Olha, aqui já é o Castelo. Neste filme vê-se uma parte mais degradada e depois uma Lisboa mais evoluída.
Fátima. Tem irmãos?
José Augusto. Tenho 3 irmãs.
Fátima. Vivem cá?
José Augusto. Não. Olha, aqui é outra vez a Quinta do Narigão. Ali é o vazadouro onde eu jogava à bola.
moradora. Olha lá os miúdos a jogar à bola! Se calhar também está lá! Veja lá se se reconhece.
José Augusto. Eu era muito mais... eu só ia jogar à bola aos fins de semana e assim. O chafariz.
Fátima. E lembra-se onde era a sua casa?
José Augusto. A minha casa era mesmo assim encostada a um barreiro.
moradora. Vá vendo. Pode ser que apareça por ali.
Fátima. Pois, em ‘75 tinha uns 10 anos, não é?
José Augusto. Tinha 10 anos. Eu já era ...
Fátima. Já não andava aqui nestas...
José Augusto. Não, com 10 anos praticamente estava sempre na escola, ia para uma escola de artes, a 111, por detrás da Igreja de São João de Brito.
Fátima. Não é aquela que é agora a Padre António Vieira?
José Augusto. Não, não. A Padre António Vieira é ao pé do Pote D’Água, e a 111 era mesmo em Alvalade.
Fátima. E era lá que tinha as aulas de artes?
José Augusto. Não, para as aulas de artes eu ia ali para a Conde de Almoster.
Maria da Assunção. Aqui não havia casas de banho nem nada.
José Augusto. Eu comecei a ter casa de banho quando fizemos um esgoto em cima da capoeira da criação, e era aí que a gente fazia as necessidades. De resto, as outras pessoas não tinham.
Fátima. Tinha muitas galinhas?
José Augusto. Galinhas, patos, pombos, coelhos...
Fátima. O campo na cidade.
José Augusto. Tinha a horta...
moradora. E os seus pais faziam o quê?
José Augusto. O meu pai trabalhava na construção civil e a minha mãe trabalhava nas limpezas da Climex. Olha, os barcos. Quando fui à inspeção, vim num barco daqueles do Barreiro até ao Cais do Sodré.
moradora. Os penteados...
Fátima. Quando foi à inspeção?
José Augusto. Fui à inspeção a Setúbal.
Fátima. Livrou-se?
José Augusto. Tive um problema, uma infeção pulmonar... Olha, a estenderem a roupa.
Fátima. Isto é capaz de já não ser a Quinta do Narigão.
José Augusto. Isto já não é.
Inês. Então, das pessoas que vieram agora à sessão e que vivem aqui nos Lóios, a maioria viveu na Quinta do Narigão?
moradora. Eu vivi lá 6 anos.
Inês. E também acham que estas imagens podem não ser de lá? Reconheceram?
moradora. Eu não reconheço nada.
Inês. E o que é que ajudaria a reconhecer a Quinta do Narigão?
moradora. Havia lá o liceu, o Padre Vieira, que era logo ali a seguir. Aqui não reconheci nada.
Inês. Quando nós, no Arquivo Municipal, pesquisamos por “Quinta do Narigão” não aparece nada. Mas a Fátima andou a procurar pelas ruas à volta...
moradora. Para já não havia nomes de ruas, só os números das... barracas, pronto.
Inês. Mas quando a Fátima procurou pelas ruas à volta encontrámos algumas imagens de sítios que se calhar vocês se lembram. Mas não deixa de ser uma ausência. É um bairro que existiu durante muitos anos em Lisboa e do qual praticamente não existem registos. A não ser as vossas lembranças, das pessoas que lá viveram.
© Arquivo Municipal de Lisboa - Fotográfico
Fátima. Isto são as traseiras da Padre António Vieira, nos anos 60, quando estava a ser construída. (imagem 1)
José Augusto. A Quinta era na parte de baixo!
Fátima. Nesta altura o Sr. José Augusto ainda não tinha nascido. Lembra-se de ver construir a Padre António Vieira?
José Augusto. Foi muito antes de ter nascido.
Fátima. Depois temos aqui umas imagens mais próximas, já deste lado. Esta é uma vista aérea com a Marechal Gomes da Costa, em ’61. (imagem 2)
moradora. E hoje o que é que há ali?
Fátima. A RTP suponho que seja aqui deste lado.
José Augusto. Não, era a antiga fábrica dos diamantes. A seguir foi a fábrica do tabaco. Tiraram a fábrica do tabaco e depois é que construíram a RTP.
Fátima. Isto são os terrenos da Quinta das Areias, diz-vos alguma coisa? (imagem 4 a 9)
José Augusto. Quinta das Areias? Sei onde é. É aqui adiante, por detrás destes prédios antigos.
moradora. Na Norte Júnior.
Fátima. E o que é que existia na altura? Hortas?
José Augusto. Antigamente isto era só hortas. Quintas e hortas. Eu brinquei na Quinta das Areias e ainda me lembro que um dia vinha para casa a correr e raspei num pilar grande das obras, cortei-me aqui todo.
moradora. Isto é o quê? (imagem 3)
Fátima. Isto é o Valsassina, se estiver bem identificado no arquivo.
José Augusto. É, mas antigamente era só quintas. E o Valsassina começava aqui na Quinta do Alemão, que era esta aqui em baixo, e ia até lá adiante até ao edifício do Colégio. Era tudo só quintas.
José Augusto. Esta é a mais fácil! É o Bairro dos Lóios.
Fátima. Esta é de ‘95. (imagem 10)
José Augusto. ‘95... tinha eu para aí quase 20 anos.
Fátima. Se nós mostrarmos o mapa da Quinta do Narigão, consegue indicar mais ou menos onde era a sua casa?
José Augusto. É difícil, havia muitas casas.
Maria do Mar. Ou então tentar desenhar ali com a ajuda da Inês...
moradora. Talvez vendo o mapa se lembre do nome da rua. Pode ser que consiga ver.
José Augusto. Ficava mais ou menos.... esta é a Gago Coutinho?
moradora. A Quinta do Narigão era este espaço todo?
Pedro. É esse espaço que está vazio.
José Augusto. Aqui é a escola. Aqui eram os gelados. E a minha casa ficava para aqui assim.
Pedro. Algures por aqui?
José Augusto. Sim, mais ou menos por aí.
Pedro. É quase no topo da colina.
Maria da Assunção. E aquele bairro, como se chama? Aquele ali em baixo?
José Augusto. Esse bairro é Alvalade. Eu morava mesmo ao cimo da Rodrigo da Cunha. Aquela estrada que ia por aí acima... morava mesmo aí.
Fátima. Mas estes caminhos que vemos aqui não existiam, pois não? E a Calçada? Também era por aqui, não era?
José Augusto. O Bairro da Calçada era ali: de quem ia da Quinta dos Pimentos para baixo, chamava-se o Bairro da Calçada. Havia a cavalaria e a vacaria. Quando eu vim para aqui fui trabalhar para o Areeiro e ia a pé. Lembro-me das quintas todas.
Conversa com moradores do Bairro dos Lóios durante uma projeção dos filmes da Coleção de Maria da Assunção na Loja 31 (Espaço da Santa Casa da Misericórdia)
Fevereiro, 2020