Fernanda Fragateiro
Esboços de O Paraíso é um lugar onde nunca nada acontece
Projecto realizado nos espaços adjacentes à Urbanização “Pantera Cor-de Rosa”, Marvila, projectada pelo arquitecto Gonçalo Byrne.
in Lisboa Capital do Nada, Marvila, Lisboa, 2001
Em 2001, a partir de um convite feito pela Associação de Moradores “Tempo de Mudar” do Bairro dos Lóios, e no âmbito do projeto “Lisboa Capital do Nada” que ocorreu em Marvila, trabalhei com a população do bairro, especialmente com grupos de crianças e adolescentes, no redesenho e plantação de pequenos espaços públicos abandonados. Assumi assim o papel do artista como catalisador de ideias e como ponte de ligação entre a população e os organismos públicos que gerem a cidade, para de uma forma conjugada, participativa e criativa, construir espaço verde habitável. Dei ao projeto o título O Paraíso é um lugar onde nunca nada acontece, a partir da canção “Heaven” dos Talking Heads, do álbum de 1979. A canção fala do tédio, da beleza e do desespero.
O meu trabalho envolve os outros e, como dádiva, o projeto existe se for recebido.
O projeto é processo, uma espécie de caminho, em que o princípio não é o passado nem o futuro, é o fim.
Quando olhamos, olhamos em volta. Quando procuramos, desviamos o olhar. Para ver através da paisagem.
As crianças brincam nos buracos de asfalto (Bairro da Pantera Cor-de-Rosa).
As plantas crescem lentamente. Algumas estão mortas. Os carros estão sempre a passar.
Chove. Os buracos no asfalto enchem-se de água e transformam-se em pequenos espelhos que refletem o céu. As nuvens passam. Fazem sombra sobre as árvores, que fazem sombra sobre o chão. Os rapazes olham. Medimos os espaços com os nossos passos. Vejo uma bola de futebol a percorrer o círculo da praça. Silhuetas espreitam pelas janelas, atrás de grades, estores e cortinas. As crianças brincam no asfalto esburacado. Tenho medo que uma pequena criança caia num buraco cheio com a água da chuva. Tenho medo que uma criança atravesse a estrada atrás de uma bola. Passam autocarros nos dois sentidos. A praça encosta-se aos edifícios. É um espaço único na cidade. Conversei com as crianças e o tempo durou.
A praça é quente, e é bela assim desprotegida. Mas podíamos plantar aqui um jardim, em volta deste vazio.
apontamentos no meu caderno de campo, 2001-2002
Eu não voltei ao Bairro dos Lóios. Passaram 20 anos e penso se alguma das crianças que ajudaram a plantar os canteiros do bairro da Pantera-Cor-de-Rosa se terá tornado jardineiro?
Em O Paraíso é um lugar onde nunca nada acontece, “o artista contenta-se em propor que os outros sejam eles mesmos e que atinjam o estado singular de arte sem arte” (Lygia Clark).