No mapa em cima, às riscas, estão as zonas de extração de areia
“Nos arredores de Lisboa, por exemplo, os barros basálticos dão campos limpos e abertos destinados à cultura do cereal; os calcários secundários, charnecas abandonadas ao mato e pasto; os calcários terciários cobrem-se de olivedo; as baixas argilosas, de hortas regadas; o pinhal reveste as colinas de arenito improdutivo. No horizonte da cidade, duas montanhas que se vêem uma à outra encerram a escala destas combinações: Sintra, envolta em névoas e afogada de arvoredos frondosos, rica de águas e de sombras musgosas, é uma recorrência do Norte; a Arrábida, nos campos de calcário, no soberbo matagal mediterrâneo, na serenidade das águas onde a serra se despenha quase a pique, um fragmento de Riviera isolado à beira do Atlântico.” (Orlando Ribeiro, citado na epígrafe)
A região de Lisboa situa-se num local privilegiado pela Natureza e a sua história tem muito a ver com a do seu passado geológico.Em primeiro lugar, a sua situação geográfica actual (latitude cerca de 39°N) fá-la pertencer à faixa de clima temperado húmido do Hemisfério Norte.
Se pensarmos que, há cerca de 470 milhões de anos, o nosso território estava próximo do Pólo Sul, que por volta de 300 milhões de anos atrás estava em plena faixa equatorial e que foi graças à rotação e à deslocação para Norte da placa Euroasiática que o clima passou progressivamente de tropical húmido a temperado, bem podemos agradecer à “dança” das placas tectónicas termos hoje excepcionais condições climáticas que, aliás, o homem pré- histórico português já apreciava devidamente, como o provam as muitas estações arqueológicas identificadas à volta de Lisboa.
A evolução geológica desta região, nomeadamente através de falhas e outros movimentos tectónicos, permitiu a instalação do Rio Tejo e do seu estuário no actual local, o qual constituiu sempre rica fonte de alimento, pois o peixe e os mariscos nunca faltaram àqueles que habitavam as suas margens.
Os solos férteis dos arredores de Lisboa foram, desde há muito, agricultados e os produtos das suas hortas, pomares, searas e matas, abasteceram a nossa capital por muitos séculos, bem como as naus que partiam para o além-mar. Não esqueçamos que, por entre os solos mais férteis do país, se encontram os da vasta área basáltica que cobre parte de Lisboa e seus arredores, hoje “plantada” de prédios e estradas que deviam ter respeitado aquela enorme riqueza natural, pois os produtos alimentares que importamos atingem já os 80%.
Na Pré-História, a abundância de sílex nos calcários cretácicos de Lisboa levou, certamente, à fixação de populações para quem esse material era indispensável à fabricação de armas e de outros instrumentos.
O substracto rochoso de Lisboa tem sido aproveitado, desde há séculos, pelo Homem para a construção da cidade: os empedrados de calcários dos passeios, os paralelepípedos de basalto de várias ruas, as cantarias de lioz em tantas casas, palácios e igrejas e, ainda, embora de menor valia, mas não menos úteis, os calcários, em especial os do chamado Banco Real, os arenitos, as areias e as argilas miocénicas com múltiplas utilizações, incluindo a produção de cerâmica, mas também na construção das casas e das muralhas da Cidade.
Graças às pedreiras, barreiros e areeiros onde se exploravam estes materiais, foi possível estudar com detalhe a geologia de Lisboa.
A exploração de todos estes recursos minerais foi-se fazendo, ao longo dos séculos, sempre na periferia urbana da cidade, a qual, como se foi expandindo, empurrou essas pedreiras, areeiros e barreiros cada vez para mais longe, acabando por eliminá-los.
Nos meados dos séc.XX, por exemplo, laboravam para a construção civil diversos grandes areeiros em zonas de antigas quintas dos então arredores de Lisboa: Chelas, Lumiar, Telheiras, Aeroporto e outros.
Foi, também, graças a essa actividade que se constituiu uma excelente colecção de vertebrados miocénicos, pois os técnicos dos Serviços Geológicos passavam periodicamente por esses locais e pagavam aos operários para guardarem aqueles fósseis, à medida que o desmonte avançava.
Por último, o recurso em água subterrânea terá chegado, inicialmente, para abastecer os primeiros habitantes através de linhas de água, poços e algumas nascentes naturais (Alfama, Bica) mas, com o crescimento demográfico, passou a ser insuficiente obrigando, já no séc.XVIII, a ir buscá-la aos arredores (Belas) através do célebre aqueduto das Águas Livres. Saliente-se que nos finais do séc.XIX, Carlos Ribeiro e Nery Delgado, geólogos fundadores da Comissão Geológica do Reino, contribuíram valiosamente para o reforço do abastecimento de água a Lisboa.
Cem milhões de anos da História de Lisboa, Miguel Magalhães Ramalho (uma edição do Museu Geológico, 2010)